Artigos

Noémia de Sousa, grande dama da poesia moçambicana, por Carmen Lucia Tindó Secco

Noémia de Sousa não é apenas uma grande dama da poesia moçambicana. É, também, uma grande dama da poesia africana em língua portuguesa, tendo em vista sua voz ardente ter ecoado por diversos espaços e compartilhado seu grito com outras vozes, em prol dos que lutaram e clamaram pela liberdade dos oprimidos, entre os anos 1940-1975, no contexto do colonialismo português. Já não era sem tempo, no Brasil, a edição de Sangue negro, único livro escrito por Noémia. Praticamente desconhecida de grande parte dos leitores brasileiros, a autora, no entanto, nas décadas de 1940-1950, manteve, como jornalista, colaboração esparsa com a revista brasileira Sul, publicação que, nesse período, aproximou escritores e poetas do Brasil, entre os quais Marques Rebelo e ...

O percurso da liberdade em Lucílio Manjate, por José dos Remédios

A conquista da liberdade é a conquista da vitória sobre o medo Carlos Serra Definitivamente, Lucílio Manjate é um autor cuja escrita está comprometida com a liberdade. Já havíamos observado esta particularidade, por exemplo, em O contador de palavras e em A legítima dor da dona Sebastião, outros livros do escritor. E, à semelhança das duas narrativas, neste O jovem caçador e a velha dentuça, dedicado, felizmente, a um público mais novo e tão carente de obras que lhes possa estimular a imaginação, Manjate volta a formular, como propósito ou consequência da criatividade, a necessidade de o Homem se livrar de todas as correntes de modo a ser autêntico e com isso alcançar um bem maior. Ao longo desta trajectória, ...

A noiva de Kebera e outros nkaringanas de segredos, por Nazir A. Can

Publicadas em 1994, as estórias de A noiva de Kebera ofereciam já pistas de um projeto literário que, anos antes, em Xitala-Mati, e nas décadas que se seguiram, em tantas outras narrativas, soube conferir dignidade histórica e virtualidade poética aos recantos mais abandonados de Moçambique. Apontando para as doxas e os paradoxos de um lugar fundado em hierarquias, mas também em criativas formas de resistência de seus habitantes mais desvalidos, os seis contos deste livro de Aldino Muianga, que agora chega ao Brasil, ligam-se pelo transfundo didático. O fato mais surpreendente, contudo, é que a exemplaridade dos protagonistas se concretiza pelo viés da ambiguidade, favorecendo o abalo, no campo da construção narrativa, da transparência da mensagem e das fronteiras entre ...

A história de Pedro e Inês em cordel, por Adelto Gonçalves

Quem não conhece a secular história de Pedro e Inês? Provavelmente, as novas gerações não a conheçam muito bem, mas, com certeza, já ouviram a expressão “agora Inês é morta” que equivale a dizer “agora é tarde demais”. Por isso, não custa nada dizer que é possível encontrar essa história em várias obras literárias, desde Fernão Lopes (1385-1459), cronista e guarda-mor da Torre do Tombo de 1418 a 1454, passando pelo poeta Sá de Miranda (1481-1558), até chegar ao grande Luís de Camões (ca.1524-1580). Trata-se da história da infeliz Inês de Castro (1325-1355), nobre galega que foi para Portugal como aia de dona Constança Manuel, futura esposa de dom Pedro I (1320-1367), de Portugal. Se há uma história de amor ...

A instabilidade social em O rei mocho, de Ungulani Ba Ka Khosa, por José dos Remédios

Antes vale uma mentira que nos conforta do que uma verdade que nos destrói De facto, a literatura não se constrói apenas com a escrita, ainda que aqui se reconheça um mecanismo importante no complexo percurso da preservação, por exemplo, das atmosferas criativas e culturais. A escrita é um meio e não um fim em si, pois a edificação do edifício literário passa por várias fontes que iluminam a imaginação dos autores. Uma dessas fontes encontra-se nos contos orais, os quais, muitas vezes, concorrem para fazer do Homem um sujeito iluminado na medida em que as estórias contadas, sobretudo na tenra idade, ampliam a mente, preparando-a para a busca da razão. No repertório da oralidade, há contos que valem contos ...

Dia da Criança Africana: 16 de junho

No dia 16 de junho é comemorado o “Dia da Criança Africana” (Day of the African Child - DAC), instituído em 1991 pela OUA (Organização da Unidade Africana), mais tarde UA (União Africana), em homenagem às crianças negras mortas e feridas no Soweto, em Joanesburgo, África do Sul. Em 16 de junho de 1976, crianças e jovens foram às ruas para protestar contra a má qualidade de ensino que lhes era proporcionado pelo governo e, também, contra o ensino da língua Afrikaans, usada apenas pela minoria branca do país. A manifestação durou duas semanas e terminou com centenas de mortos, sobretudo crianças e adolescentes, e milhares de feridos. O “Dia da Criança Africana” é comemorado em memória delas e chama ...

Dia da África: 25 de maio

No dia 25 de maio de 1963, chefes de estado africanos, com ideias contrárias ao regime a que o continente estava submetido durante muitos séculos, reuniram-se na Etiópia, com o objetivo definir ações para a libertação da África do colonialismo e promover a emancipação dos povos africanos. Dessa reunião, nasceu a Organização da Unidade Africana (OUA). Em 1972, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o dia 25 de maio como o DIA DA ÁFRICA OU DIA DA LIBERTAÇÃO DA ÁFRICA, também chamado de DIA INTERNACIONAL DA ÁFRICA. Em julho de 2002, a Organização de Unidade Africana (OUA) deu lugar à União Africana (UA). Porém, o DIA DA ÁFRICA permaneceu o mesmo, por ter sido a data em que se deu ...

Desenho digital – Ilustrações de Mauro Manhiça em “As armadilhas da floresta”, de Hélder Faife.

O desenho digital é uma técnica de ilustração utilizada por artistas para a criação de seus desenhos no computador. O ilustrador tem acesso a uma tela virtual e a ferramentas digitais, como pincéis que simulam diversos tipos de texturas de tintas como óleo, aquarela e acrílica. Além disso, alguns instrumentos, somente presentes no computador, possibilitam efeitos diferentes dos desenhos tradicionais feitos à mão, como o “conta-gotas” e ferramentas que possibilitam alterar nitidez, brilho e contraste. É uma técnica muito prática para os momentos de criação. Em 1972, surgiu o software SuperPaint, marco importante para a evolução da técnica de desenho digital, pois foi o primeiro programa capaz de criar traços mais limpos, eliminando o serrilhamento, que é produzido quando se ...

Outras Coisas: o vitimário das personagens, por José dos Remédios

Antes vale um fim trágico do que uma tragédia sem fim.
(Karl Marx) A narrativa literária, de facto, é um exercício fictício com características particulares. Clemente Bata, na qualidade de autor que também urde histórias com a mestria da pena, não foge a essas diferenciações que concorrem para mantermos os contornos filosóficos da literatura bem elevados. Não foge e tão-pouco se esconde, afinal, neste universo, a exposição em livro é incontornável na sedimentação do ofício que ganha voz no olhar iluminado dos leitores. No entanto, ao mesmo tempo que a ficção resultante da narrativa deserta do plano empírico para se tornar naquilo que a compete, um sopro ou uma asa, no caso de Bata, a escrita vai-se tornando quase tangível ...

Os retratos sociais e a alegoria dos nomes em “Outras coisas”, de Clemente Bata, por Aurélio Cuna

Se os títulos das obras funcionam como chaves de leitura, Outras Coisas, título do segundo livro do jovem contista Clemente Bata, parece-me avesso a essa função. Primeiro, a ambiguidade que caracteriza o substantivo “coisa”: coisa é tudo o que existe ou pode existir real ou abstratamente, é facto, circunstância, condição, assunto, mistério. Ou ainda: assuntos vários (que não se mencionam), ou seja, coisas e loisas. Segundo, o pronome indefinido “Outras” que nos remete ao diferente, ao diverso, potencia esse campo de indefinição enunciado pelo termo “coisas”. Portanto, ao invés de iluminar o caminho da leitura, o presente título conduziu-me a questionamentos: de que coisas se trata? matéria para ‘outras’? Ou seja, que sentido(s) se projecta(m) no título, enfim, na obra? ...

Suleiman Cassamo: a viva voz do conto, por Rita Chaves

Com um considerável atraso, Suleiman Cassamo desembarca no Brasil. O regresso do morto, que vem marcar a estreia do escritor entre nós, teve sua primeira edição em 1989, tempos conturbados em Moçambique. Passavam-se 14 anos da tardia independência e o país estava imerso nos sobressaltos de uma guerra que perduraria até 1992. Nesse período, a literatura, que tinha integrado o eufórico coro da utopia nos anos 70, já observava os desvios do sonho e as dificuldades do projeto nacional que a partir de 1964 mobilizara a luta armada. Sem perder de vista a noção de originalidade que é condição da obra literária, Suleiman Cassamo nos traz, revitalizados, personagens que fizeram sua entrada na literatura produzida em Moçambique pelos poemas de ...

Batique – Ilustrações de Americo Mavale em “O rei mocho”, de Ungulani Ba Ka Khosa

O batique é uma arte com mais ou menos dois mil anos de existência, originária da Ilha de Java, uma das maiores ilhas da Indonésia, país entre a Ásia e a Oceania. Várias técnicas são utilizadas para se produzir um batique. É um processo bastante trabalhoso com o uso de tecido, tintas, cera e água. Com a cera, são cobertos os desenhos feitos sobre o tecido. Depois, o tecido é tingido e, na sequência, é escorrido e colocado para secar. Os desenhos aparecem, então, onde havia cera. No restante do tecido ficam as cores. São feitos sucessivos tingimentos para a criação de estampas multicoloridas e com figuras variadas. A cera é aplicada nos dois lados do tecido e, quando ela ...