Leia alguns trechos de
Assim não, senhor Presidente!, de Ungulani Ba Ka Khosa.
“No subúrbio, pós-independência, os pobres pretos de outrora continuavam pobres e comemoravam, à sua maneira, o ano prestes a findar, com o pouco que tinham na mesa de madeira coberta por uma toalha de plástico, e um candeeiro a petróleo no centro da mesma a enterrar-se, de forma desequilibrada, no chão de areia; sentados em pequenos bancos de madeira, passavam de mão em mão a caneca com a cerveja tradicional. Todos ansiavam pelo novo ano, na esperança de outras melhoras na crescente pauperização da sociedade a militarizar-se.”
“Aprende isso, filho! Agora que andas na universidade deves ter o olho aberto, Este país não avança com estes sacanas! Um país não pode ser governado com inveja, mágoa, vingança, Um país deve ser de todos e não de poucos, poucos que se acham os mais inteligentes do mundo, foda-se! Era assim o velho mecânico Furtado…”
“Luísa não se preocupou de imediato com a mboa, por ser um prato rápido, diferente da matapa que aos sábados o casal fazia questão de levar à casa da avó, em alternância com a feijoada. A matapa requeria outro tempo de cozedura, outras formas de tratar a panela, a começar pelas folhas de mandioca, base do prato, que precisam de ser piladas com alho e, depois, dado importante, vão à panela com a água que serviu para limpar o pilão;”
“Eu respiro outro ar, sinto, pela primeira vez, que estou na minha terra. Ontem sentia-me estrangeiro na minha própria terra. Havia os verdadeiros nacionais. E nós, a maioria, tínhamos que mendigar a nossa cidadania…”
“Dezenove horas. As luzes dos candeeiros da principal avenida da cidade mostravam-se já cansadas nos postes meio descaídos; em muitos as lâmpadas haviam fundido há anos; nas ruas secundárias os candeeiros acompanhavam a noite, na escuridão que lhe é característica nestes trópicos onde as estrelas, projetadas nas suas constelações, pouco diziam às populações urbanizadas, habituadas aos calendários já uniformizados e às horas pontuadas em Greenwich.”
“A matapa requeria outro tempo de cozedura, outras formas de tratar a panela, a começar pelas folhas de mandioca, base do prato, que precisam de ser piladas com alho e, depois, dado importante, vão à panela com a água que serviu para limpar o pilão; deixa-se ferver até que a água termine, em seguida põe-se o tomate, a cebola e o sumo de coco — aqui outro segredo, porque o primeiro sumo de coco fica de lado, entra a segunda leva do sumo de coco —, deixa-se ferver enquanto se prepara o sumo de amendoim que se mistura com a primeira leva do sumo de coco. Nesta fase junta-se o camarão e, caso queira, o caranguejo. Deixa-se cozer por cerca de uma hora e quarenta e cinco minutos, sempre com o olhar atento e a colher de pau mexendo e revirando o caril, deixando que os aromas encham a cozinha (…)”
“Bebiam de tudo, do tradicional, o chamado uputsu ou vuputru, dependendo da variante linguística, cerveja feita à base da mapira e milho fresco a servir de fermento com uma generosa dose de açúcar a aumentar o teor alcoólico, entremeado de uns goles de aguardente de caju proveniente das terras dos pais e avós, residentes no interior do país, e a cerveja socialmente aceite por todos, com o nome do general Mac Mahon (a famosa 2M), presidente francês, responsável pela mediação dos limites fronteiriços entre a região sul de Moçambique e a África do Sul, no conflito que opôs ingleses e portugueses, então potências coloniais, no último quartel do século XIX, ou a Laurentina, clara ou preta, marca de cerveja a tipificar os naturais da capital de Moçambique, os chamados laurentinos.”
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O livro originalmente foi lançado em 2023, em Moçambique. O lançamento no Brasil está previsto para 2025. É o 4º livro de do autor que a Kapulana traz ao Brasil. Os anteriores são os seguintes: