A vida verdadeira de Domingos Xavier: lembranças e homenagens.
Os seguintes textos sobre o romance A vida verdadeira de Domingos Xavier, de José Luandino Vieira, que compõem a edição brasileira da Kapulana, com lançamento em 19 de junho de 2024, representam os sentimentos e pensamentos de amigos e estudiosos da obra do renomado escritor angolano.
PEPETELA [Angola]
A vida verdadeira de Domingos Xavier, de Luandino Vieira, é o primeiro romance retratando a luta de libertação de Angola. É, portanto, um livro seminal na literatura angolana. Já não seria pouca coisa. Além do mais, baseia-se numa sequência lógica de anteriores contos de Luandino que, em passinhos aparentemente mais mansos, vão colocando os grãos de areia necessários para o surgimento do livro, sobretudo com a descrição das vidas de sofrimento dos colonizados perante a brutalidade do regime proto-fascista de Salazar, do racismo, das injustiças perpetradas pelos auto-proclamados civilizados e civilizadores. O romance é a consagração do que apreendemos nos contos. Claro que não poderia ser publicado por nenhuma gráfica de Angola ou Portugal, e foi passando em cópias sucessivas e clandestinas por um grupo interessado de angolanos, como um estandarte que deveria ser empunhado na luta inevitável pela independência nacional. Inspirou para a acção os que o puderam ler e encorajou alguns que tinham a aspiração de escrever sobre o mesmo tema.
Como diria alguma personagem de Jorge Amado: Saravá, Luandino.
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CARMEN TINDÓ SECCO [Brasil]
A vida verdadeira de Domingos Xavier, de Luandino Vieira (1961) é um clássico da literatura angolana. Essa obra me atrai por seu questionamento aos regimes opressores e pela intertextualidade com a poesia de Agostinho Neto e o cinema de Sarah Maldoror, particularmente com o filme Sambizanga (1972), adaptação do referido romance. Tanto na narrativa cinematográfica, como na romanesca, o protagonista Domingos Xavier, revolucionário preso pela polícia portuguesa, é, arbitrariamente, levado para o calabouço. Como no poema “Mussunda Amigo”, de Agostinho Neto, dá sua vida pela liberdade de Angola. Mussunda é o alfaiate que politiza a consciência dos demais.
Em Sambizanga e no romance, há a utopia da libertação de Angola e a crítica ao colonialismo português. Contudo, os enredos tomam perspectivas diversas. No romance, o narrador, a cada capítulo, dá voz a um personagem. No filme, imagens-ações, direcionadas pelo olhar de Maria, esposa de Domingos, vão escoltando seu deambular à cata do marido. A canção “Caminho do Mato”, cuja letra é um poema de Agostinho Neto, traz poesia ao filme, seguindo a busca angustiada de Maria, à medida que denuncia o trabalho forçado imposto pelo regime colonial.
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RITA CHAVES [Brasil]
Um dos primeiros livros publicados no Brasil na célebre coleção Autores Africanos, A vida verdadeira de Domingos Xavier trouxe-nos o sobressalto gerado pelas grandes revelações. O encontro com Luandino Vieira trazia-nos o impacto de uma literatura que, sem descuidar do compromisso com a transformação que a realidade colonial exigia, avança no desejo de ir além do essencial programa daquele tempo naquele espaço: libertar Angola, fundar um país.
Situando-se dialeticamente no encontro entre a lealdade a valores éticos e a aposta em um poderoso senso estético, a força da obra está em uma linguagem apta a refletir os complexos movimentos de tantas vidas. Ao escrever sobre a vida de um homem, o Domingos do título, Luandino traz-nos o itinerário de uma mulher em confronto direto com a opressão colonial em todas as suas dimensões. Assim, a estória de um herói popular combina-se exemplarmente com o percurso de sua companheira. Sem recorrer aos jargões, ele nos coloca diante de uma obra aberta à perspectiva feminina, característica muito bem trabalhada em Sambizanga por Sarah Maldoror, a excelente diretora da adaptação para o cinema.
Só podemos celebrar a reedição dessa obra que salta no tempo e faz perdurar o impacto que nos levou, a tantos de nós, a “descobrir” Angola naqueles complicados anos que envolveram as lutas de libertação. Mais que um documento, ela permanece fundando Angola e multiplicando a força do imaginário que, entre verdades tão diversas, cerca sua geografia e sua história.