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Entrevista com Pepetela, por José dos Remédios

PEPETELA, um dos mais importantes escritores de Angola, concedeu essa entrevista ao jornalista José dos Remédios, do jornal O País, de Moçambique.

“O escritor deve ser capaz de criar empatia com o pior da terra”  (Pepetela)

Aprendeu a gostar de histórias era ainda verde, como a cor da alface. A mãe, uma professora e um amigo de infância, sem que se apercebessem disso, ajudaram-no a descobrir um grande escritor que morava dentro de si. E a descoberta teve como consequência transformar o pequeno menino contador de estórias num autor de utopias, dedicado no futuro sem deixar de trazer ao presente as cicatrizes do passado. Escreveu sobre a sociedade angolana como ninguém e, por via disso, projectou-se para o espaço da língua portuguesa e para o mundo inteiro. É um escritor sem fronteiras. A sua obra transborda o que mais interessa à literatura: a emoção sempre em sintonia com uma técnica de escrita inigualável. Chama-se Pepetela, e nesta entrevista fala-nos das especificidades da sua escrita, das suas convicções – como a de que nunca seria um neo-liberal –, de como a literatura pode ser usada para aproximar os povos africanos e dos problemas que abalam a Humanidade.  

1- Gostava de começar com uma pergunta que, de algum modo, sintetiza a sua obra. Cada livro seu reflecte, de forma satírica ou metafórica, determinados momentos da sociedade angolana e, consequentemente, dos países que mantêm uma acentuada ligação histórica com Angola – inclusive Moçambique. O que lhe leva a fazer da sua ficção um veículo que permite os seus leitores voltarem-se para o seu contexto social com um olhar mais crítico e consciente?

R- Se consigo isso, fico satisfeito. A intenção é mesmo a de chamar a atenção para determinadas problemáticas da Humanidade, embora geralmente os temas sejam inseridos na realidade que conheço melhor, a angolana.

2- No seu repertório, dois romances apresentam uma intertextualidade firme com a Literatura Moçambicana. Refiro-me a O cão e os caluandas, que dialoga com Nós matamos o Cão-Tinhoso, de Luís Bernardo Honwana, e Predadores, que dialoga com Apocalipse dos predadores, de Adelino Timóteo. Pensa na possibilidade de ao escrever sobre Angola tornar-se num autor reivindicado por outras literaturas africanas do ponto de vista identitário?

R- As nossas literaturas têm muitos pontos comuns, porque as sociedades e seus dilemas não diferem tanto assim. Mas coincidências de títulos não querem dizer muito, ou mesmo nada. O que interessa é o conteúdo.

3- Na sua opinião, como é que os povos africanos, com passado e presente muito comum, podem fazer da literatura a ponte que torne os territórios virtualmente mais próximos, de modo que não precisemos sair do continente para encontrar melhores conhecimentos sobre nós próprios?

R- O primeiro passo seria o de fazer conhecer as respectivas literaturas, o que na verdade não acontece. Os livros de países africanos circulam pouco fora do seu espaço natural, nacional. Tem havido tentativas aqui ou ali, por iniciativas de editoras. Mas a primeira barreira, falando de África no seu conjunto, é a da necessidade de traduções. Para países usando a mesma língua, a barreira principal é a pobreza que impede as pessoas de acederem aos livros, seus ou de outros. Organizações como a CPLP ou SADC deveriam ser um meio privilegiado para isso.

4- A literatura angolana já esteve próxima à moçambicana e aos PALOP. Sente que os laços do passado continuam presente?

R- Acho que sim. Como disse, ambas tratam de realidades semelhantes, quase com caminhos paralelos.

5- A certa altura d’O cão e os caluandas, uma voz diz: “o escritor deve ser cruel e desumano, é essa a sua humanidade”. Como autor empírico, concorda com essa afirmação?

R- Já passou muito tempo sobre a escrita desse livro, mas imagino que quisesse dizer que para entrar na cabeça de personagens de toda a natureza, desde os santos até aos mais loucos assassinos, o escritor deve ter essa capacidade de criar empatia com o pior que existe na face da Terra para poder descrever por dentro mesmo aquilo que lhe repugna. E só o ser humano pode fazer isso.

6- A imprevisibilidade caracteriza a sua escrita. Lueji, o nascimento de um império é um exemplo disso. Neste livro, desmistifica o estereótipo de que em África só o homem pode herdar o poder e erguer um império. Reactivando o enredo desse livro, Lueji, uma personagem com o dom da liderança e que encara o inimigo nos olhos, é a representação da mulher que os africanos precisam para mudar a sua condição de submissão em relação ao Ocidente, por exemplo, já que os homens parecem incapazes?

R- Boa pergunta. A um momento dado eu deixava as minhas amigas e camaradas dizerem que se fossem elas a liderar o mundo, tudo seria diferente. Bem, hoje já aparecem mulheres nos postos mais importantes do poder. E parece que as coisas não mudaram muito apenas por causa disso. De qualquer forma, devemos em livros ou de outra forma qualquer lutar para que as mulheres tenham as mesmas oportunidades dos homens. Escrever esse livro inscrevia-se nessa linha. Mas a estória é baseada em mitos reais. E se houve mitos, é porque algo aconteceu de facto.

7- Em Lueji, Yaka, O desejo de Kianda ou Mayombe liberta-se aquele desabafo de Karl Liebknecht, político alemão, a de que o inimigo mais perigoso está perto de nós, se quisermos, nos nossos países. Usa a literatura para combater esse inimigo?

R- Não concordo muito com a tentativa de fazer da literatura uma arma de combate. Houve épocas em que se tentou isso, fracassando geralmente em termos de qualidade. Mas Liebknecht tinha razão, o pior inimigo vive connosco.

8- “A virtude dos governantes é terem os defeitos dos governados”, diz José António Barreiros na introdução de O Príncipe, de Maquiavel. Qual seria a virtude dos governados para acabarem com os governantes que traem a causa nacional na mesma proporção que Malongo, Caposso ou CCC, algumas das suas personagens?

R- Os governados deveriam ter a coragem de dizer não. E só de vez em quando temos essa coragem e na maior parte das vezes de forma isolada. Um NÃO de muitos ao mesmo tempo que se ouvisse na sociedade poderia fazer tremer os outros e não nós.

9- Quem lê os seus romances, apercebe-se que subverte, diria, as teorias literárias, na medida em que introduz no enredo uma entidade que não é narrador, personagem e nem autor textual, pelo menos não logo à partida. Essa entidade, às vezes, tem a autoridade de demitir o narrador ou de revelar o final da história que contraria a do narrador. É um cenário propositado?

R- Se todos escrevêssemos da mesma maneira, segundo manuais de academias, já ninguém nos lia porque todos os leitores morreriam de tédio. É só por uma questão de sobrevivência que tento de vez em quando surpreender o leitor.

10- Com os romances Jaime Bunda (O agente secreto e A morte do americano) mergulha os seus leitores no universo da literatura policial, que se tece com humor e algumas decepções amorosas pelo meio. Estes dois livros revelam-nos um escritor sensível à configuração dos espaços urbanos de Angola e dos cidadãos que neles habitam. Isso faz parte das suas preocupações literárias?

R- Tendo sido obrigado a viver em Luanda tantos anos, é normal que o espaço urbano se torne uma estrutura daquilo que escrevo. Escrevi vários livros passados em outros espaços, alguns rurais, outros quase indefiníveis. Mas a marca urbana acaba por se impor.

11- Já agora, voltaremos a ter o agente Jaime Bunda num outro livro? Coloco-lhe esta pergunta porque no segundo livro faltou-lhe o prazer literário que sentiu ao escrever o primeiro.

R. Não sei se haverá outro. Enquanto não me apetecer muito mesmo tratar esse personagem, ele fica na geleira.

12- O que contribui para que alguns livros escreva por prazer e outros por obrigação?

R. Eu procuro sempre escrever por prazer e recuso tratar temas propostos por outrem. Acho que nem seria capaz. Talvez seja no fundo ainda uma forma de rebeldia, de defender o meu último pedaço de liberdade.

13- Qual é a obra que lhe deu mais prazer de escrever?

R. É impossível escolher. Umas são mais difíceis, mas vencer a dificuldade também dá prazer.

14- Pedi que um leitor seu, o meu amigo Jaime Malendza, lhe fizesse uma questão. E ele pergunta: “Em A geração da utopia, um personagem faz apologia ao neo-liberalismo. Diante da falência dos ideais socialistas e neo-liberais, quais são as melhores ideias para o mundo actual?

R. Se eu tivesse resposta a isso, candidatava-me para um cargo qualquer. Mas neo-liberal nunca seria, nem cortado às postas. 

15- E à volta do mundo gira um dos melhores romances seus, O quase fim do mundo. Que metáfora é esta que põe em causa a ética, a moral e questiona as relações do mundo contemporâneo?

R. A metáfora está cada vez mais perto de se concretizar. O Homem é capaz de transformar a Terra em três Luas desertas, é só darem tempo para ele encontrar os meios. Em nome de um deus qualquer ou de uma filosofia. Pretextos não faltam.

16- Neste livro, a Humanidade quase que desaparece por culpa dela mesma. Em geral, sobram algumas comunidades isoladas de África. Quis nos lembrar que, apesar de toda diferenciação social, é este o berço da Humanidade, o continente que vai continuar a sobreviver a tudo…?

R. Que pelo menos foi onde tudo começou e a haver algum recomeço só poderia ser numa verde montanha com capim e alguns gorilas.

17- Quais julga que são as mazelas que conduzem o Homem quase que a uma extinção total, neste tempo, como acontece em O quase fim do mundo?

R. Existem muitas, desde a ganância à pobreza mental e à arrogância do ignorante. Sobretudo, a incapacidade de aprender com a História.

18- É um autor do povo, que, de tanto ouvir estórias do seu amigo Thor, na infância, transformou a escrita numa roda à volta da fogueira africana. Que sonhos a sua obra transporta?

R. Gostaria que transportasse os sonhos de muitos Thor, que transportasse o que prometíamos fazer quando enfrentávamos as tropas coloniais ou dos invasores seguintes, quando éramos puros e gostávamos realmente uns dos outros. Gostaria que fosse isso. Mas tenho a noção de não ter sido capaz, porque a vida nos trai sempre.

19- Sugestões artísticas para os leitores do jornal O País?

R. Andre Brink, escritor sul-africano morto ano passado e que merecia um Nobel. E Ngugi Wa Thiongo, queniano refugiado nos Estados Unidos, que ainda pode recebê-lo.

Maputo, 11 de Fevereiro de 2016, no jornal O País.

Citar como: PEPETELA. Entrevista a José dos Remédios. 25 fev. 2019. [Publicada originalmente em O País. 11 fev. 2016. Cedida gentilmente à Editora Kapulana por José dos Remédios.]

Saiba mais sobre Pepetelahttps://www.kapulana.com.br/pepetela/

Saiba mais sobre José dos Remédioshttps://www.kapulana.com.br/jose-dos-remedios/

Livros de Pepetela no catálogo da Kapulana

O cão e os caluandas. São Paulo: Kapulana, 2019.
https://www.kapulana.com.br/produto/o-cao-e-os-caluandas/

O quase fim do mundo. São Paulo: Kapulana, 2019. (em edição)
https://www.kapulana.com.br/produto/o-quase-fim-do-mundo/

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Entrevista com Carmen Lucia Tindó Secco, brasileira, organizadora do livro de ensaios “Pensando o cinema moçambicano”

CARMEN LUCIA TINDÓ SECCO, da UFRJ, professora e pesquisadora de cinema e literatura de Moçambique, concede entrevista à Editora Kapulana sobre o novo livro de ensaios que organizou, Pensando o cinema moçambicano.

1- Sendo docente da área de Literatura, como surgiu seu interesse pelo Cinema, especificamente o moçambicano?

R- Há tempos venho trabalhando a correspondência entre as artes: literatura, pintura. Trabalhei Literaturas Africanas de Língua Portuguesa em diálogo com telas de importantes pintores de Moçambique, Angola , Cabo Verde. Depois, convidada a participar do Projeto “NARRATIVAS ESCRITAS E VISUAIS DA NAÇÃO PÓS-COLONIAL”- (NEVIS), coordenado por Ana Mafalda Leite da Universidade de Lisboa, me interessei também pelo cinema produzido nos países africanos de língua oficial portuguesa. Nas minhas aulas na UFRJ, projetei alguns filmes e houve uma motivação grande por parte dos alunos. A África tão distante destes ganhou uma visibilidade um pouco maior, o que propiciou diálogos mais fecundos entre narrativas literárias e cinematográficas. Ofereci várias disciplinas na Pós e na Graduação da UFRJ, propondo leituras comparadas entre literatura e cinema. Foram cursos bastante produtivos.

2- Como surgiu a iniciativa de produzir o Pensando o Cinema Moçambicano para um público brasileiro?

R- Ministrei um curso na Pós-Graduação em Letras Vernáculas na UFRJ no primeiro semestre de 2017. Os alunos gostaram muito e fizeram  monografias sobre filmes em diálogo com obras literárias de Moçambique, Angola, Guiné-Bissau. Realizamos, também, ao final do curso, uma Mostra de Cinema e trouxemos o escritor moçambicano Luis Carlos Patraquim, um dos fundadores do cinema moçambicano. A palestra proferida por ele motivou muito os alunos. Acredito que, por isso, a maioria das monografias versou sobre o cinema moçambicano e foram de qualidade. Então, resolvi publicar um livro reunindo esses trabalhos dos alunos.

Já  estou a organizar um outro livro sobre cinema, intitulado CineGrafias Moçambicanas,  em parceria com Luis Carlos Patraquim e Ana Mafalda Leite, cujos textos aprofundarão bastante a discussão sobre o cinema moçambicano ainda pouco conhecido no Brasil. Este segundo livro deve sair no ano que vem e reunirá ensaios de reconhecidos pesquisadores da área do cinema, entrevistas e crônicas de realizadores e cineastas de Moçambique, entre os quais: Camilo de Sousa, Ruy Guerra, Licínio Azevedo, Isabel de Noronha, Sol de Carvalho, João Ribeiro. Esse segundo livro lançará um outro olhar sobre o cinema moçambicano, trazendo reflexões importantes dos cineastas e realizadores.

3- É possível traçar paralelos entre o Cinema moçambicano e o brasileiro?

R- Sim. Há uma profunda ligação entre o cinema moçambicano e o brasileiro. No período logo após a independência de Moçambique, o cinema teve importante função na construção da nação moçambicana recém- libertada. Ruy Guerra, nascido em 1931 em Moçambique, residente no Brasil desde 1958, ao lado de Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, participou da criação do Cinema Novo brasileiro e do processo de criação do Instituto Nacional de Cinema em Moçambique, levando cineastas e colaboradores brasileiros para Moçambique, entre os quais José Celso Martinez Corrêa, Chico Carneiro. Ruy Guerra ajudou a pensar o Instituto Nacional de Cinema em Moçambique. Mostrou que era possível fazer cinema de uma forma bem simples e não cara, com poucos meios e utilizando a realidade. Na opinião de cineastas de Moçambique, como Sol de Carvalho, “não houve uma influência estética do Ruy Guerra no cinema moçambicano. Na verdade, a influência do Ruy esteve exatamente na produção. Ele trouxe um grupo grande de brasileiros para ajudar a organizar o sistema de produção de Moçambique. Daquilo que podemos chamar os modelos de produção, há uma influência do Ruy, mas não é uma influência brasileira, é de alguns cineastas brasileiros que foram liderados por ele”. Também o cineasta brasileiro Licínio de Azevedo, radicado em Moçambique desde 1975, tem a mesma opinião. Segundo ele, “entre o cinema de Moçambique e o do Brasil, a influência, se existiu, foi ‘ao contrário’ ”.

4- Grandes títulos da produção cinematográfica moçambicana partem de obras literárias do país. Por que existe este diálogo tão intenso entre as duas linguagens?

R- Literatura e cinema em muitos países são artes que dialogam. A adaptação cinematográfica de obras literárias é encontrada em diversas partes do mundo. No caso específico de Moçambique, penso que tanto a Literatura, como o Cinema tiveram um papel importante na época da independência e também no período logo após a independência. Colônia de Portugal há séculos, assim como Angola e outros países, Moçambique precisava contar sua própria história, pensar a nação recém-libertada. Romances e filmes, como grandes relatos, são narrativas propícias a esse ato de ‘narrar a nação’, ou seja, (re)escrever a nação moçambicana, a partir de um olhar descolonizador. O projeto “NARRATIVAS ESCRITAS E VISUAIS DA NAÇÃO PÓS-COLONIAL”- (NEVIS), coordenado por Ana Mafalda Leite, do qual participei, evidencia justamente isso.

5- O Cinema africano em geral parece ser ainda pouco conhecido no Brasil. Qual você acredita que seja o caminho para que estes filmes entrem no repertório brasileiro?

R- Realmente, o cinema africano em geral é no Brasil ainda bastante desconhecido. É considerado um cinema periférico. E, como se afasta do cinema hollyoodiano, não é apoiado, nem divulgado, porque não dá lucro. O caminho, na minha opinião, seria um maior investimento das políticas públicas da Cultura e da Educação na área do cinema, principalmente dos cinemas considerados marginais. Seriam importantes festivais cinematográficos com prêmios regularmente realizados, cursos e oficinas de cinema oferecidos ao público, mostras de cinema com debates, incentivo a projetos que trabalhassem e divulgassem filmes africanos. 

6- Você teria alguma projeção sobre o futuro do Cinema moçambicano?

R- Atualmente, em Moçambique, os apoios e incentivos ao cinema desapareceram quase por completo. Vários cineastas que participaram do nascimento do cinema moçambicano apresentam um olhar bastante pessimista em relação às políticas públicas moçambicanas no que se refere à área cultural. Contudo, há uma resistência: cineastas e realizadores antigos continuam produzindo, com muitas dificuldades, mas não desistem. Há grupos de jovens também buscando outras formas cinematográficas de resistência. Há o projeto do Museu do Cinema de Moçambique. Há eventos de divulgação de filmes. Agora mesmo, entre 17 e 20 de outubro de 2018, ocorreu em Maputo a mostra intitulada “Cruzamentos Cinematográficos”. Portanto, mesmo com pouco investimento do governo moçambicano em relação ao cinema, há exibição de filmes. Há um interesse muito grande do povo moçambicano. Exemplos disso são os inúmeros prêmios conseguidos pelo filme “Comboio de Sal e Açúcar”, de Licínio Azevedo, bem como a recente concorrida estreia do longa-metragem “O Dia em que Explodiu Mabata-bata”, de Sol de Carvalho, que, mesmo debaixo de uma chuva fortíssima, colocou 400 pessoas no cinema Scala, em Maputo. Assim, embora não possa fazer uma projeção exata sobre o futuro do cinema moçambicano, penso que, como esse cinema foi muito importante após a independência, o gosto pela sétima arte está entranhado em muitos realizadores e cineastas –antigos e jovens – que continuam produzindo e hão de resistir preparando um futuro.

7- O que você indica para as pessoas interessadas em conhecer mais sobre o Cinema moçambicano e africano em geral?

R- Muitos filmes já se encontram na internet (no yotube, vimeo, etc). Há, também, escolas, oficinas e fóruns sobre cinema, há sites, projetos, publicações em livros e revistas, festivais, mostras. Vou aqui divulgar alguns. No Rio de Janeiro, há a Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Há em São Paulo, no Rio de Janeiro e em outros estados, mostras, como a da Caixa Cultural, nas quais foram exibidos muitos filmes africanos e moçambicanos. Há Centros de Estudos sobre Cinema em diversas universidades brasileiras. Há fóruns de cinema, como o Making off, em que podemos encontrar vários filmes. Há estudos na Rebeca – Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (https://rebeca.socine.org.br/1). Há Centro Afro Carioca de Cinema, com Joel Zito Araújo, Janaína Oliveira e outros que promovem encontros sobre cinema africano. Há o Cineclube Atlântico Negro, com o cineasta Clementino Jr. que também divulga filmes africanos. Há publicações importantes na Revista Mulemba 17, número inteiramente dedicado ao cinema africano (https://revistas.ufrj.br/index.php/mulemba); há, ainda, publicações na Revista Cerrados, uma publicação da Universidade de Brasília (http://periodicos.unb.br/index.php/cerrados/issue/view/1362/showToc). Há blogues, como INCINERRANTE, coordenado pelo Professor Marcelo Ribeiro, da UFBA, reconhecido estudioso de cinema (https://www.incinerrante.com/textos/cinema-internacional-cinemas-africanos). Há os arquivos do Festival CINEPORT (http://www.festivalcineport.com.br/).

Há o meu site CinÁfrica, com meu projeto intitulado “LITERATURA, CINEMA E AFETO: REPRESENTAÇÕES DA HISTÓRIA EM ROMANCES E FILMES DE MOÇAMBIQUE E GUINÉ-BISSAU” (http://cinafrica.letras.ufrj.br/index.php), que nasceu como desdobramento do “Projecto NEVIS – NARRATIVAS ESCRITAS E VISUAIS DA NAÇÃO PÓS-COLONIAL”, CESA / FCT , PTDC / CPC-ELT / 4939 / 2012, coordenado pela Doutora Ana Mafalda Leite, Professora da Universidade de Lisboa, cujo link é o seguinte: http://www.nevisproject.com/page/presentation.

Há também centros de estudos em países estrangeiros. Há livros sobre o cinema em português editados em Portugal, entre os quais o de Maria do Carmo Piçarra, o de Manuela Penafria, entre outros. No Brasil, foi publicada pela Editora Boitempo de São Paulo, em 2017, a biografia escrita por Vavy Pacheco Borges, intitulada Ruy Guerra: Paixão Escancarada.

Enfim, sabendo procurar, podem ser encontrados materiais instigantes e de relevante importância para os estudos sobre cinema. Penso que o livro que organizei e o que estou organizando (ambos serão publicados pela Editora Kapulana de São Paulo) contribuirão sobremaneira para um maior conhecimento acerca do cinema africano e, especialmente, do cinema moçambicano.

18 de outubro de 2018.

Citar como:

SECCO, Carmen Lucia Tindó. Entrevista. São Paulo: Kapulana, 18 out. 2018. Disponível em: https://www.kapulana.com.br/entrevista-com-carmen-lucia-tindo-secco-organizadora-do-livro-de-ensaios-pensando-o-cinema-mocambicano/

Saiba mais sobre o livro: https://www.kapulana.com.br/produto/pensando-o-cinema-mocambicano-ensaios-carmen-tindo-secco/

Saiba mais sobre a organizadora: https://www.kapulana.com.br/carmen-tindo-secco/

Leia o artigo “Pensa Kanema – escritos sobre o cinema moçambicano – por Carmen Lucia Tindó Secco”: https://www.kapulana.com.br/pensa-kanema-escritos-sobre-o-cinema-mocambicano-por-carmen-lucia-tindo-secco/

 

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Entrevista com Ungulani Ba Ka Khosa, moçambicano, autor de “Gungunhana: Ualalapi | As mulheres do Imperador”

UNGULANI BA KA KHOSA, escritor moçambicano, autor de Gungunhana: Ualalapi | As mulheres do Imperador, concede uma entrevista à Editora Kapulana

1. Você publicou Ualalapi em 1987, marcando o cenário da ficção histórica moçambicana. O que o fez escrever apenas recentemente As mulheres do Imperador, dando prosseguimento a Ualalapi?

As motivações por detrás de um livro estão, muitas das vezes, na esfera do imponderável: as vezes é uma ideia que surge, outras, uma paisagem, por vezes, uma frase, enfim, vários motivos. As mulheres  do Imperador foram-me martelando a cabeça depois da edição do livro Entre as memórias silenciadas. Isto em 2013. Anunciei a intenção aos amigos mais próximos. E quis com o livro prestar uma singela homenagem às mulheres sempre secundarizadas na História maiúscula. Mas o livro não conseguia sair das primeiras três páginas. Faltava-lhe alma. Até então eu não conhecia o nome das mulheres do Imperador que regressaram a Moçambique depois de quinze anos de exílio. E andei à busca delas em tudo o que era arquivo em Moçambique. Estive em S. Tomé, terra em que elas passaram catorze anos e nove meses de exílio, e nada encontrei. E foi graças ao meu editor  português, o João Rodrigues, que consegui ter os nomes das mulheres. Encontrei a alma. E o livro arrancou. Isto em 2016

E por ocasião dos trinta anos de Ualalapi, quis fechar o ciclo sobre o império de Gaza, trazendo à luz As mulheres do Imperador.

2. Qual você acredita que pode ser a importância de republicar Ualalapi atualmente, para Moçambique?

Ualalapi tem, felizmente, tido edições sucessivas em Moçambique. É um livro de leitura obrigatória para os alunos do ensino secundário e médio e universitário. E tem, estoicamente, resistido ao  desgaste do tempo. Isso satisfaz qualquer autor. O que falta ao Ualalapi é uma maior divulgação no exterior. Acabou de sair, ainda este ano, a edição americana –Ualalapi, fragments from the end of empire, pela prestigiosa editora Tagus Press, da Universidade de Massachusetts Dartmouth. Na colecção constam autores como Eduardo Lourenço,  Luís de Camões, Eça de Queirós, Sophia de Mello Breyner, entre outros. É prestigiante. Aqui no Brasil, a editora Kapulana prepara uma edição conjunta com As mulheres do Imperador. Em Portugal já saiu a edição conjunta, o Gungunhana. Enfim, os bons ventos estão dando vida ao Ualalapi e As Mulheres do Imperador.

3. Um dos pontos mais reiterados por pesquisadores de suas obras literárias é o fato de suas narrativas não serem maniqueístas no tratamento dos personagens, negando a estrutura de heróis x vilões. Isto é uma preocupação sua durante a escrita?

Na verdade, pouco leio o que têm escrito sobre a minha obra. Sei de uma quantidade de teses e dissertações, para além de críticas avulsas que as leio na diagonal.

Quando escrevo, deixo-me levar pelo texto, pelos personagens. Não tenho um guião à priori. O tema do livro dá-me a estrutura e o movimento dos personagens. O que me ficou dos tempos de aprendizagem, ou seja, o meu mote, foi o de construir uma narrativa que tivesse por base os movimentos do cavalo: passo, trote e galope. Quero que o texto vibre como os tambores que ressoam pela noite adentro na savana tropical. O resto não me interessa.

4. Se sim, qual a importância desta perspectiva, sobretudo em relação a uma figura histórica controversa como Gungunhana?

Tu queres tocar o Gungunhana. É provável que a tal perspectiva se encaixe no imperador. Mas quando escrevi sobre Gungunhana, em Ualalapi, tive em mente retratar a imagem do Gungunhana que sobrevive na história oral: um tirano, um invasor, um colonizador. Esta leitura difere da que é oficialmente veiculada: o grande herói da resistência anticolonial. O que de facto foi. Mas que não retira o seu lado tirano.

Eu enveredei por essa via da chamada tradição oral. Fiquei-me por aquilo que ouvi dos meus avós e outros da mesma geração.

5. De que maneira a Literatura pode contribuir com a História, e especificamente com a História moçambicana?

Hoje é já um lugar comum estudar-se uma época e recorrer-se a literatura de então. Penso que a literatura vai além do preenchimento dos espaços vazios ou dos interstícios da História maiúscula; ela dá alma a uma época, humaniza um período histórico.

Quando os alunos me perguntam como é que eu consegui retratar o Gungunhana daquela maneira, pensando eles que aquilo é verdade e não ficção, fico feliz porque a tal  verosimilhança que os académicos tanto apregoam, deu certo. E quando isto acontece, a literatura sai a ganhar.

 

6. Por que existe sua preocupação como autor em manter em suas obras diversos vocábulos das línguas locais?

Dei-me conta, ainda cedo, que certos vocábulos das línguas locais não têm correspondência na língua portuguesa e vice-versa. E isso levou-me a construir a minha narrativa sem me socorrer ao glossário. Vou explicando, dentro da narrativa, os significados dos vocábulos locais ou a interpretação do vocábulo português na língua local. Mas por vezes, em edições brasileiras,  veem-se forçados a usar um glossário por causa de alguns vocábulos que necessitam de uma explicação mais detalhada. Esta minha bantunização do português, como um académico se referiu à minha obra, torna a língua portuguesa mais moçambicana. Explico-me:

Mais do que debater a validade ou não do acordo ortográfico, eu sou dos que defendem a inclusão, nesta língua comum que é o português, dos  significados locais. Penso que a língua portuguesa só sai a ganhar na diversidade de significados.

7. Tanto Ualalapi quanto As mulheres do Imperador giram em torno de acontecimentos históricos moçambicanos bastante específicos, porém são obras que geram extremo interesse por parte dos leitores brasileiros. Por que você acredita que isso ocorre?

Todo o escritor, é minha opinião já arreigada, tem que partir do seu Macondo, do seu nicho cultural, do seu espaço, e dar alma a esse espaço. Craveirinha conseguiu fazer da Mafalala algo universal. Luís Bernardo Honwana, pegou na sua Moamba, terreola a cerca de 70 quilómetros de Maputo, e deu-nos um livro imortal: Nós Matamos o Cão Tinhoso. Malangatana, com os seus espíritos ancestrais, deu-nos quadros memoráveis. Estes meus três mestres ensinaram-me que é a partir do local, do teu espaço vital, que podes ir ao mundo. O mundo, esse mundo globalizado, vai entender essa alma local porque é uma alma por todos partilhada. As cores, as matizes, mudam, mas a alma, nas suas várias gradações, é universal.

8. Qual a importância de tratar especificamente das mulheres de Gungunhana neste novo texto?

Acho que respondi parcialmente a pergunta  em questões anteriores. Mas avanço, dizendo que As mulheres do Imperador é uma homenagem a todas as mulheres. Estas mulheres ocuparam um lugar tão secundário na História, que só lhes deram a graça de ter  o nome  ao lado do imperador. A História foi sempre machista. É chegada a altura de  se criarem outras narrativas, outros ângulos de observação, outros olhares à História.

Ao tempo delas, era normal, nos portos e em alguns jornais, constar a lista de passageiros a desembarcar. No caso, nada ficou grafado. Sabe-se apenas que desembarcaram em Lourenço Marques, no ano de 1911. O resto é ficção. É triste o que a História maiúscula reserva a certas personagens.

9. Além desta obra, você publicou no Brasil (também pela Kapulana) um livro de contos (Orgia dos loucos) e um de literatura infantil (O rei mocho). Como autor, quais são as diferenças em seu processo de escrita para gêneros literários tão diversos?

O conto, gênero difícil porque ou se agarra no princípio ou se perde, é um grande gênero. E é necessário para quem se aventura na narrativa. Já o conto infanto-juvenil exige outro músculo. É um gênero a que não me atrevo a mergulhar de qualquer maneira. Corre-se sempre o risco de fazer trapaça. E muito do que por aí circula no gênero infanto-juvenil é texto de segunda categoria. É preciso ter uma grande alma para escrever um conto infanto-juvenil. Vou ancorando noutros portos da narrativa. Sinto-me seguro aí.

Maputo, 24 de setembro de 2018.

Citar como:

KHOSA, Ungulani Ba Ka. Entrevista. São Paulo: Kapulana, 24 set. 2018. Disponível em: https://www.kapulana.com.br/uma-entrevista-com-ungulani-ba-ka-khosa-autor-de-gungunhana-ualalapi-as-mulheres-do-imperador/

Saiba mais sobre o autor: http://kapulana.com.br/ungulani-ba-ka-khosa/

Saiba mais sobre “Gungunhana: Ualalapi | As mulheres do Imperadorhttp://kapulana.com.br/produto/gungunhana-ualalapi-as-mulheres-do-imperador/

Saiba mais sobre “Orgia dos loucos”: http://kapulana.com.br/produto/orgia-dos-loucos/

Saiba mais sobre “O rei mocho”: http://kapulana.com.br/produto/o-rei-mocho-1-contos-de-mocambique/

Leia – “Escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa é condecorado pelo Brasil com a Ordem de Rio Branco”: https://www.kapulana.com.br/escritor-mocambicano-ungulani-ba-ka-khosa-e-condecorado-pelo-brasil-com-a-ordem-de-rio-branco/

Leia – “Orgia dos Loucos: Moçambique sem saída de emergência – por Vanessa Ribeiro Teixeira”: https://www.kapulana.com.br/orgia-dos-loucos-mocambique-sem-saida-de-emergencia-por-vanessa-ribeiro-teixeira/

Leia – “A instabilidade social em O rei mocho, de Ungulani Ba Ka Khosa – por José dos Remédios”: https://www.kapulana.com.br/a-instabilidade-social-em-o-rei-mocho-de-ungulani-ba-ka-khosa-por-jose-dos-remedios/

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Entrevista com Rutendo Tavengerwei, autora de “Esperança para voar”

RUTENDO TAVENGERWEI, nascida no Zimbábue, autora de Esperança para voar, concede entrevista à Editora Kapulana

1- Como surgiu a ideia de escrever o romance e como foi a construção das personagens Shamiso e Tanyaradzwa?

R- Uma das coisas pelas quais meu país é conhecido é a instabilidade econômica e política de 2008, mas o que sempre me incomodou é que não há muitas histórias sendo contadas por habitantes do Zimbábue sobre o que realmente estava acontecendo no país. Então, enquanto eu estava escrevendo “Esperança”, eu queria tentar contar a história de 2008 de uma perspectiva zimbabuana*. Especialmente porque a maior parte da história foi escrita em 2016, quando as coisas estavam começando a piorar de novo, e eu queria mandar uma mensagem de esperança para os zimbabuanos que estavam desesperados, e usar minha voz para resistir com os milhares de habitantes do Zimbábue que estava exigindo que o governo instituísse mudanças.

Quando refleti sobre 2008, percebi que a maioria das minhas lembranças e a maneira como eu via o mundo era da perspectiva de uma adolescente, então fez sentido para mim que as protagonistas fossem adolescentes. Ainda mais porque lições sobre esperança e perseverança são importantes, e eu queria compartilhá-las especialmente com o público jovem.

2- Em seu romance, é muito importante a contextualização geográfica e histórica sobre o Zimbábue. Para você, na elaboração do enredo, o que veio primeiro: o desenvolvimento da trama, detalhes narrativos e personagens ou a circunstância político-social do país?

R- Não acho que houve uma cronologia clara quanto ao que veio antes. Meu processo de escrita é relativamente aleatório e não ortodoxo. Então, a situação político-social definitivamente inspirou a trama e as personagens. Mas a trama também influenciou a caracterização; os eventos que eu escolhi para a história determinaram como as personagens seriam, por causa de como eu queria que elas respondessem a esses eventos. Então, resumindo, foi um processo bastante “misturado”.

3- Você traça um paralelo entre seu processo de escrita e seu cotidiano?

R- De certa maneira, eu traço paralelos entre minha escrita e meu cotidiano. Acho que é importante, se você quer que a história fique plausível, usar situações reais e adicioná-las à história. Então, em alguns casos, se eu escuto algo interessante ou engraçado, às vezes eu tento incorporar isso à história. Mas tanto de minha vida está na minha escrita. Eu escrevo sobre música e os sons que escuto, escrevo sobre cenários que eu acho maravilhosos. Basicamente, eu tento compartilhar tudo que me toca com o mundo.

4- A carta/apresentação no início do livro mostra como você está feliz de publicá-lo, e como isso é importante para você. O que significa para você estar publicando este livro? Você sempre sonhou em escrever um livro?

R- Eu quero ser escritora desde que eu tinha 6 anos, como disse na carta. O amor dos meus pais por contar histórias e pela escrita foi inegavelmente contagioso. No início do Ensino Médio, eu costumava comprar caderninhos de 32 páginas e escrever histórias para os outros alunos lerem. Os meus colegas gostavam do que eu escrevia, e isso me encorajou a continuar. E eu lembro que costumava dizer para todo mundo que um dia eles leriam um livro meu de verdade, que eles comprariam na livraria. E acho que esse dia chegou.

“Esperança” é particularmente importante para mim por causa da mensagem que ele traz. Não é apenas uma mensagem positiva para o mundo, mas também um lembrete para que eu não esqueça de ter esperança. E para mim foi muito importante usar minha voz para protestar contra as grandes injustiças que estavam acontecendo no meu país.

5- Quem são os escritores que mais influenciaram você, e quais são os seus gêneros favoritos?

R- Eu cresci lendo Enid Blyton. Os livros dela ampliaram minha imaginação e meu gosto por aventuras, e eu amava as histórias dela porque eu conseguia imaginar o que ela estava descrevendo.

No Ensino Médio eu lia muito as escritoras Tsitsi Dangarembga e Chimamanda Ngozi Adichie. Elas me fizeram sentir que não era impossível a literatura africana ser lida no mundo todo, em especial a literatura africana escrita por mulheres negras. Particularmente, eu devo ter lido o “Hibisco roxo” da Chimamanda mais de uma dúzia de vezes, muito interessada no uso que ela faz da linguagem e em como ela se atém às suas raízes nigerianas. Eu sabia que queria escrever de maneira parecida.

E, é claro, para mim foi sempre um prazer ler Shakespeare. Eu sempre amei como a escrita dele é lírica e poética. Como ele criava sua própria linguagem e expressões. Eu acabo fazendo isso muito quando escrevo; a linguagem, como qualquer experiência gastronômica, deve ser apresentada e saboreada.

Recentemente, tenho me inspirado muito em Angie Thomas e Tomi Adeyemi. Porque a escrita delas é um movimento, uma contribuição para o difícil diálogo sobre a marginalização dos negros nos Estados Unidos, mas também porque as histórias que elas contam passam uma mensagem para o público jovem. E eu sempre acreditei muito nisso.

Quanto aos gêneros, não sei se consigo escolher um favorito. Eu leio qualquer coisa que seja interessante, porém tenho uma tendência a gostar de livros que ensinem algo a seus leitores, seja qual for o gênero.

6- Você planeja escrever outros livros?

R- Sim, planejo escrever outros livros, porque eu realmente amo escrever e compartilhar minhas histórias com o mundo. Eu acredito que é muito importante que livros de escritores marginalizados se tornem a norma na literatura contemporânea, porque isso nos ajudaria a entender mais uns sobre os outros, apesar das nossas diferenças. E mais do que isso, porque talvez uma menina com um sonho como o meu, que sente que ninguém prestaria atenção nela por causa da cor da pele dela ou do país de onde ela é, pudesse ver que não é impossível. 

Eu já estou trabalhando no meu próximo livro, que também vai se passar no Zimbábue. Quero dividir um pouco mais da história do Zimbábue nesta próxima história, e compartilhar mais sobre a cultura também.

7- Finalmente, considerando a situação atual do mundo, você tem uma mensagem para os leitores brasileiros que vão conhecer Shamiso e Tanyaradzwa?

R- O mundo é muito caótico, e muitas coisas frustrantes acontecem em nossos países e nas nossas vidas pessoais também. A história da Shamiso e da Tanyaradzwa é sobre lutar para sair de tempos difíceis, e preservar a esperança em momentos sombrios. Meu desejo é que esta história sobre esperança inspire a vida dos leitores, mesmo que de uma maneira singela.

02 de abril de 2018.

(*) Em 2008 ocorreram tumultuadas eleições presidenciais no Zimbábue. A disputa ocorreu entre Robert Mugabe (ZANU), presidente do país desde 1987 e o opositor Morgan Tsvangirai (MDC). Em 29 de março ocorreu o primeiro turno das eleições, que apontaram pequena maioria dos votos para Tsvangirai. Entre a data de divulgação deste fato e o segundo turno das eleições, seguidores dos dois partidos travaram violentos conflitos que resultaram em dezenas de mortes. Diante da situação, Tsvangirai decidiu desistir de concorrer ao cargo, afirmando que seus eleitores corriam risco de serem mortos, o que fez com que Mugabe fosse mais uma vez eleito.

 

Citar como:

TAVENGERWEI, Rutendo. Entrevista. São Paulo: Kapulana, 02 abr. 2018. [Trad. de Carolina Kuhn Facchin]. Disponível em: https://www.kapulana.com.br/uma-entrevista-com-rutendo-tavengerwei-autora-de-esperanca-para-voar/

Saiba mais:

sobre a escritora: https://www.kapulana.com.br/rutendo-tavengerwei/

sobre o livro: https://www.kapulana.com.br/produto/esperanca-para-voar/

um vídeo com Rutendo Tavengerwei: https://www.youtube.com/watch?v=0oZBCwnbfTk&t=11s&mc_cid=fc7d7ceed9&mc_eid=d9a246dbcb